Intro


Seria necessário ter presente o que Dante escreveu no início de um livro extraordinário e relativamente ignorado, o De Monarchia, onde sustenta que, na vida, não basta apenas tomar, mas também (e sobretudo) devolver. (…) Dante mostra nessa passagem que a cultura não representa um tesouro privado, que acumulo para mim e que ninguém me pode tirar. Quem armazena apenas para si, sem retribuir, é comparado a um abismo que absorve tudo o que engole e não devolve nada: «Esse homem não é uma árvore que, plantada junto a um curso de água, produz frutos no tempo devido, mas um abismo pestilencial, que engole sempre e nada restitui». De resto, ninguém, ou muito pouca gente, chegará a dar mais do que aquilo que recebeu, pois cada um de nós traz imensamente menos à sociedade e à humanidade no seu todo do que aquilo que lhe foi concedido pela língua, pelas instituições, pela família, pelos amigos. Esse objectivo perdura, porém, como um ideal, uma longínqua estrela polar.

Remo Bodei
Revista Electra


Desenho de Sara Nelma


«Um casal de pegas rabudas faz o ninho em frente à minha janela - todas as manhãs sou acordado pelo seu intenso grasnar e fico a vê-las trazer pauzinhos com o bico - acho que é um sinal de boas-vindas ter dois passaritos assim expostos na sua intimidade - é como se me dissessem "Eis um bom lugar para começar tudo de novo. Fazemos-te confiança…"» 

Mão Morta