Pobres Ingratos


(N)o roubo (arquitectado pelos pobres) faz-se uma maliciosa recuperação do poder individual, está a compreender... Aonde iríamos parar? Por isso, repare bem, a repressão dos delitos insignificantes é exercida em todos os climas e com rigor extremo, não só como meio de defesa social mas também, e acima de tudo, como aviso severo a todos os infelizes para continuarem no seu lugar e na sua casta, mansos, resignadamente satisfeitos por morrer ao longo dos séculos, e indefinidamente, de miséria e fome...

À medida que os pobres avançam, rejuvenescem, é verdade, e mais por dentro lá para o fim; desde que tenham tentado perder pelo caminho toda a mentira, o medo e o ignóbil desejo de obedecer que lhes foi dado à nascença, mostram-se, em suma, menos desagradáveis do que ao princípio. O resto daquilo que existe na terra não é para eles! Não lhe diz respeito! A sua tarefa, a única, é esvaziarem-se da obediência, vomitarem-na. Se conseguirem fazê-lo antes de baterem a bota podem vangloriar-se, realmente, de não ter vivido em vão.

Louis-Ferdinand Céline
Viagem ao Fim da Noite