Nem todas as metáforas aplicadas a doenças e ao seu tratamento são igualmente repugnantes e distorcidas. A que anseio ver desmantelada — mais do que nunca desde o surgimento da sida — é a metáfora militar. O seu inverso, o modelo médico do bem-estar público, é provavelmente mais perigoso e de longo alcance nas suas consequências, uma vez que não só fornece uma justificação persuasiva para a regulamentação autoritária, mas sugere implicitamente a necessidade de repressão e violência patrocinadas pelo Estado (o equivalente a remoção cirúrgica ou o controlo químico das partes ofensivas ou ‘doentias’ do corpo político). Mas o efeito das imagens militares no pensamento sobre a doença e a saúde está longe de ser irrelevante. Ele supermobiliza, hiperboliza e contribui poderosamente para a excomunhão e estigmatização dos doentes.
Susan Sontag
Aids and its Methafors citado no artigo Paris, Texas: Sontag, a Guerra e a Europa sob a Pandemia, Joana Sousa Cardoso, suplemento Ípsilon, Jornal Público