Numa outra audiência, Sua Majestade tentou, em esforço, recapitular o somatório de tudo o que eu lhe transmitira, comparando as perguntas que me fizera com as respostas que eu lhe dera. Depois, tomando-me nas suas mãos e acariciando-me com ternura, exprimiu-se de uma maneira e num tom inesquecíveis: «Meu pequeno amigo Grildrig, fizeste um impressionante panegírico do teu país. Provaste claramente que a ignorância, a ociosidade e o vício são os requisitos de um legislador e que as leis são mais eficazmente explicadas, interpretadas e aplicadas por aqueles cujos interesses e capacidades residem precisamente na aptidão para as perverter, as confundir e lhes escapar. Observo no teu país o esboço de uma instituição que, no seu modelo original, poderia ter sido tolerável, mas cujas linhas estão apagadas em certas partes e, noutras, completamente esbatidas e borradas pela corrupção. Por tudo o que disseste, não parece sequer que se exija uma única mestria para se obter qualquer cargo ou posição no teu país e, ainda menos, que os homens sejam enobrecidos pelas suas virtudes ou que os sacerdotes sejam promovidos pela sua devoção e erudição, os soldados pela sua conduta e valentia, os juízes pela sua integridade, os senadores pelo patriotismo, os conselheiros pela sua sabedoria. Quanto a ti, que gastaste a maior parte da vida a viajar, estou inclinado a pensar que conseguiste escapar a muitos dos vícios existentes no teu país. No entanto, com base nas tuas próprias descrições, bem como nas respostas que, com grande esforço, obtive de ti, só posso concluir que, no seu conjunto, os teus compatriotas constituem a mais perniciosa raça de minúsculos e odiosos vermes que a Natureza suportou que rastejassem pela superfície da Terra.»
Jonathan Swift
As Viagens de Gulliver