Compreender e Iluminar


Dom Quixote explica a Sancho que nem Homero nem Virgílio apresentavam os seus personagens «tal como eles eram, mas sim como deveriam ser para servirem de exemplo de virtude às gerações vindouras». Ora, o próprio dom Quixote é tudo menos um exemplo a seguir. Os personagens romanescos não pedem que os admiremos devido às suas virtudes. O que eles pedem é que os compreendamos e isso é qualquer coisa de completamente diferente. Os heróis das epopeias vencem ou, quando são vencidos, guardam até ao último suspiro a sua dignidade. Dom Quixote é vencido. E sem qualquer dignidade. Porque, logo à partida, tudo é muito claro: a vida humana, enquanto tal, é uma derrota. A única coisa que nos resta perante essa fatal derrota a que chamamos vida é tentar compreendê-la. É nisso que reside a razão de ser da arte do romance.

Milan Kundera
A Cortina


Um amigo meu diz que os escritores de ficção científica são exploradores enviados pela humanidade para sondar o futuro e para voltar e dizer, " Por ali há areias movediças. É melhor se passarmos sobre uma colina." E por aí fora. Não prevemos, não de forma deliberada. Às vezes acertamos em algo que acaba por acontecer. Eu próprio já fiz isso, mas é largamente acidental. A coisa mais importante que fazemos é tentar iluminar a condição humana sob um sistema de pensamento específico que é, "Imaginem que vivemos numa sociedade que não a nossa." É, por outas palavras, apenas uma pequena versão de literatura. A boa literatura, toda ela, serve para iluminar a condição humana.

Isaac Asimov
Isaac Asimov, uma Mensagem para o Futuro (doc.)