Marquês de Sade


Sade imaginava uma utopia sexual em que toda a gente tinha o direito a toda a gente, em que os seres humanos, reduzidos aos seus órgãos sexuais, se tornassem absolutamente anónimos e intermutáveis; a sociedade ideal deste autor reafirmava, portanto, o princípio capitalista de que os seres humanos são, em última análise, redutíveis a objectos intermutáveis. Por outro lado, Sade absorveu a descoberta de Hobbes — que a destruição do paternalismo e a subordinação de todas as relações sociais ao mercado tinha eliminado por completo as remanescentes restrições, mas também as ilusões mitigadoras da guerra de todos contra todos e tirou dela uma nova e surpreendente conclusão: no consequente estado de anarquia organizada, percebeu Sade claramente, o prazer é a única finalidade da vida — um prazer que é, contudo, indistinguível da violação, do homicídio e de uma agressividade desabrida. Com efeito, numa sociedade que reduziu a razão à mera faculdade de cálculo, esta razão não tem capacidade para impor limites à busca do prazer, a satisfação imediata de todos os desejos, por muito perversos, insanos, criminosos ou simplesmente amorais que sejam.

José Manuel dos Santos / António Soares
A Certeza de Si, Revista Electra


O seu compromisso não foi com a Revolução, mas com a insurreição. Reclamava a necessidade de uma insurreição permanente, uma contínua imoralidade como fermento de desordem. A insurreição deveria ser o estado permanente de uma república. Destruir os castelos não bastava. Também não bastava destruir a Lei. Era preciso um débordement contínuo. Só a instauração do perpétuo deboche estava à altura do programa de Sade porque, na sua concepção, o prazer não nasce de outra fonte senão do jogo violento com as regras sociais.

António Guerreiro
Jornal Público, Suplemento Ípsilon