Num livro inquietante desde o título,
Gil Imperdonnabili, de Cristina Campo, uma das vozes mais estranhas e apaixonadas da poesia e do ensaísmo italiano deste século, encontro uma distinção curiosa entre os poetas da imaginação e os poetas da atenção. A ideia é simples, e também extremamente útil: trata-se de distinguir entre aqueles que concebem o poeta como um produtor entusiástico de imagens (...) segundo uma espécie de lógica natural do delírio, que obedeceria à regra do «quanto mais delirante mais poético» (que está na origem da falência de grande parte da poesia surrealista), e o poeta concebido como alguém que deliberadamente desfigura e refigura a colecção de imagens de que dispõe de modo a tentar que elas digam um pouco mais, no cálculo do sentido, do que parecem dizer.
O primeiro, o protagonista da imaginação, tem a seu favor a inspiração e a naturalidade. O segundo, funcionário da atenção, pode parecer mais prosaico, mais rasteiro: o que ele faz releva do trabalho e da obstinação, assume a dimensão do esforço, da necessidade de persistir e perseverar, implica afinco e acribia, aceita a severidade de um labor de resultados escassos. Como é óbvio, Cristina Campo não faz esta proposta de modo inocente. Mesmo sem entrar na área dos juízos de valor, ela escolhe, como eu o faria, os autores da atenção contra os autores da imaginação.
Cristina Campo
citada e comentada por Eduardo Prado Coelho em Tudo o que não Escrevi, Vol.II