A Vida Contínua


Que fazer das casas do bairro lavadas
numa luz de prata, das crianças escondidas nas moitas, 
que espreitam nas pessoas crescidas os sinais de que elas se preparam para partir 
sinais de que os prazeres irregulares 
de passar de um dia para o outro, de ir à deriva sobre as vagas do dever,
chegaram ao fim? Oh, pais, confessem 
aos vossos filhos que a noite ainda está longe 
e que o vosso gosto do banal vai aumentando; digam-lhes 
que a vossa adoração das tarefas domésticas só agora começa; 
descrevam a beleza das pás e ancinhos, das vassouras e esponjas; 
digam que haverá sempre coisas para cozinhar e coisas para limpar,
que uma coisa traz outra, e esta outra ainda;
expliquem que vivem entre duas grandes obscuridades, 
que a primeira tem um fim e a segunda não, que o mais belo 
é ter nascido, que se vive numa bruma 
de horas e dias, de meses e anos, julgando 
que tudo tem um sentido mesmo se por vezes 
se está quase a desaparecer sem nada ter sido acabado, 
seja o que for que sirva para se provar que se existiu. Digam 
às crianças que voltem para casa, 
porque vocês continuam a procurar qualquer coisa que perderam 
— um nome, um álbum de família que tinha deixado de ter importância 
e passara para um outro, um pedaço de negro que podia ter sido vosso, 
e que na verdade vocês não sabem nada. Digam que cada 
um de vocês procura 
manter-se ocupado, que aprende a debruçar-se sobre o que está perto, a ouvir 
a respiração despreocupada da terra, e a sentir que 
a sua volúpia disponível vos começa a invadir, 
vaga após vaga, e que envia através de cada breve 
mas indesmentível eu pequenas vibrações de amor 
mesmo no interior dos vossos dias, e para além deles.

Mark Strand