Curiosos Descaminhos


A curiosidade é um vicio que foi estigmatizado alternadamente pelo Cristianismo, pela filosofia e mesmo por uma certa concepção da ciência. Curiosidade, futilidade. A palavra, contudo, agrada-me: sugere-me toda outra coisa: evoca a «preocupação», o cuidado que tomamos pelo que existe ou pode existir; um sentido aguçado do real, mas que nunca se imobiliza perante ele; uma prontidão a achar estranho e original o que nos rodeia; uma certa obstinação a nos desfazermos das nossas familiaridades e a olhar de diferente maneira as mesmas coisas; um ardor a agarrar o que se passa e o que passa; uma desenvoltura face às hierarquias tradicionais entre o importante e o essencial. 
Eu sonho com uma idade nova da curiosidade.

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...em todo o caso a única espécie de curiosidade que vale a pena ser praticada com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar o que é conveniente conhecer, mas a que nos permite desprendermo-nos de nos próprios. De que valeria a obstinação do saber se ela assegurasse apenas a aquisição de conhecimentos e não, de um certo modo, e tanto quanto for possível, o descaminho daquele que conhece? Momentos há na vida em que a questão de saber se é possível pensar de modo diferente daquele que se pensa e perceber de modo diferente daquele que se vê é indispensável para continuar a observar e a reflectir.

Michel Foucault
Le Philosophe masqué, Jornal Le Monde (no topo) / História da Sexualidade (em cima); citado por José Manuel dos Santos / António Soares, Curiosidade Santa e Diabólica, revista Electra nº 12