A civilização é uma aprendizagem do horror da morte. Na Idade Média, as pessoas sabiam que iam morrer, vestiam-se, deitavam-se na cama e esperavam a morte e normalmente a morte acontecia. A morte era pública, no sentido de social, juntavam-se as pessoas todas à volta do moribundo, falava-se, e havia um conjunto de conselhos práticos para quem ficava e que eram ditados pelo moribundo. A morte era o acto de morrer. Os moribundos falavam da vida. Hoje os moribundos não têm direito à palavra. Quando se suspeita de que alguém vai morrer, tira-se-lhe o direito à palavra. Isola-se o moribundo, não só para não o ver morrer, mas para que ele não fale, para que ele não expresse o seu ir morrendo. Para que nada diga, dá-se-lhe uma injecção calmante. Ao tirar-se o direito à palavra do moribundo, anulou-se a relação de cada um de nós com a morte. Silencia-se, literalmente. E depois diz-se: «Morreu em paz». Até parece que antes não se morria em paz!
Rui Nunes
Jornal Público