Consentimento e Submissão


(...) dizem-nos Adorno e Horkheimer, «sempre foi possível distinguir na diversão o tom da manipulacão comercial, o discurso de venda, a voz do vendedor de feira, mas a afinidade original entre o negócio e a diversão é evidenciada no próprio significado desta última na apologia da sociedade: divertir-se significa estar de acordo». A indústria cultural é uma fábrica de consenso que dissipa o carácter crítico e negativo da cultura perante as dinâmicas sociais e políticas. Que não nos apercebamos da contradicão do rótulo é a prova do seu êxito. O mesmo sucede com a «indústria do entretenimento». Ambas deviam provocar-nos estranhamento, desconfiança, ambas deviam parecer-nos sintagmas grotescos, oxímoros, visto sancionarem a estandardização do que parece concebido para lhe escapar. Numa espectacular carambola, a indústria cultural e a indústria do entretenimento reconciliam ócio e negócio a partir de um traço que ambas partilhariam: o consentimento.

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No capítulo da Dialéctica do Esclarecimento dedicado à indústria cultural lemos: «A diversão no capitalismo tardio é o prolongamento do trabalho.» É igualmente mecanizada, programada e produzida em massa. É vivida como uma cópia, uma reprodução do processo de trabalho que tem lugar na fábrica ou no escritório. Com efeito, o consumidor de cultura «divertida» é quase exclusivamente um consumidor de cópias: filmes, imagens fotográficas impressas em jornais, revistas e painéis publicitários, emissões de rádio e televisão e gravações de música. Cópias destinadas a preencher o tempo livre com diversões estandardizadas, que são o oposto traiçoeiro da verdadeira etimologia de di-versão: o que separa, o que afasta, aparta ou desvia, em particular de algo experimentado como penoso ou maçador. Adorno, em suma, defende duas hipóteses em relação à indústria cultural: 1) que houve uma fusão de cultura e entretenimento, possível graças à banalização lúdica da cultura e à forçada espiritualização da diversão e 2) a submissão desta cultura-entretenimento ao trabalho, quando se supõe que a sua vocação seja opor-se a ele.

Raúl Rodriguez-Ferrándiz
Cultura e Tempo Livre na Era da Sua Compartibilidade Técnica, revista Electra