Tópos
Quignard lembra uma narrativa de Fedro, uma fábula.
Uma cabra, não se sabe bem como, estava no terraço alto de uma casa de campo e começou a insultar, lá de cima, um lobo que tinha uma perna partida e que estava lá bem em baixo, no chão. A cabra insultou o lobo, chamou-lhe nomes, disse que o lobo era um fraco, um cobarde, etc. O lobo permaneceu calado. Depois, finalmente, levantou a cabeça e respondeu:
"Não és tu quem me insulta, é o teu tópos"!
Ou seja, não és tu quem me insultas, é a tua posição; é o lugar (tópos) momentâneo que ocupas que me insulta.
É uma bela fábula. Pensar nos poderes (e nos seus abusos) que são meramente originados pelo tópos, pelo lugar, pela posição momentânea em que as pessoas estão.
O poder que depende do lugar momentâneo em que as pessoas estão é um poder frágil, claro.
O verdadeiro poder humano está no que ele consegue fazer com os pés bem assentes no chão, com sua cabeça e com os seus braços.
Gonçalo M. Tavares
Os Cadernos e os Dias, Expresso Revista