Elogio da Poesia
A poesia, senhor fidalgo, em meu parecer é como uma donzela terna e de pouca idade e em todo o extremo formosa, a qual têm cuidado de enriquecer, polir e adornar outras muitas donzelas, que são todas as outras ciências, e ela se há-de servir de todas, e todas se hão-de autorizar com ela, mas esta tal donzela não quer ser manuseada, nem trazida pelas ruas, nem publicada pelas esquinas das praças nem pelos rincões dos palácios É feita de uma alquimia de tal virtude, que quem a sabe tratar a volverá ouro puríssimo de inestimável preço; há-de a ter o que a tiver em seu lugar, não a deixando correr em torpes sátiras nem em desalmados sonetos; não há-de ser vendível em maneira alguma, se não for em poemas heróicos, em lamentosas tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não há-de tratar com os truões, nem com o ignorante vulgo, incapaz de conhecer e estimar os tesouros que nela se encerram. E não penseis, senhor, que chamo aqui vulgo somente à gente plebeia e humilde, que todo aquele que não sabe, ainda que seja senhor e príncipe, pode e deve entrar em número de vulgo. E, assim, o que com os requisitos que disse tratar e tiver a poesia, será famoso e estimado seu nome em todas as nações políticas do mundo.
Miguel de Cervantes
Dom Quixote de la Mancha