Actos de Adoração: O Templo da Alvorada

O TEMPLO DA ALVORADA
(O Mar da Fertilidade #3)
YUKIO MISHIMA
(1970)
Era a estação das chuvas em Banguecoque. O ar estava saturado com uma chuva miudinha e contínua, e gotículas de água dançavam amiúde num esplendoroso raio de sol. Havia sempre brechas de azul visíveis aqui e ali e, mesmo quando as nuvens se amontoavam, mais espessas, em redor do Sol, o céu era ofuscantemente azul à volta delas. Quando se aproximava uma borrasca, tornava-se negro-funesto e ameaçador. Uma sombra agoirenta cobria a cidade de telhados baixos e predominantemente verde, pontilhada de palmeiras.
O nome da cidade remonta à dinastia de Aiutaia, época em que recebeu o nome bang, «cidade», e kok, «azeitonas», graças às suas inúmeras oliveiras. Outro nome antigo é Krung Thep, ou «Cidade dos Ângulos». A metrópole, situada menos de dois metros acima do nível do mar, depende por completo de canais para o transporte. Quando se constroem estradas empilhando terra, surgem inevitavelmente canais. E, quando se escava o solo para erigir uma casa, formam-se imediatamente lagos. Esses lagos ligam-se de forma natural através de riachos e, assim, estes «canais» fluem em todas as direções, correndo para as águas-mãe do Menam, luzindo o mesmo tom castanho da pele dos seus habitantes.
No centro da cidade, erguem-se edifícios de estilo europeu, de três pisos e com varandas, e diversas construções de tijolo, com dois e três andares, na concessão estrangeira. As árvores de beira de estrada, outrora a característica mais bonita da cidade, foram derrubadas em alguns pontos para dar lugar à construção da autoestrada e algumas ruas foram parcialmente asfaltadas. Intercetando os intensos raios de sol, as mimosas formam charcos de sombra profunda nas vias públicas, cobrindo-as com negros véus de luto. Depois de uma trovoada, as folhas, emurchecidas do calor, reanimam-se de repente e, revigoradas, erguem a cabeça.
A cidade, com a sua prosperidade, faz lembrar algumas povoações da China Meridional. Um sem-fim de riquexós de dois lugares abre caminho pelas suas artérias, com as cortinas baixadas dos lados e atrás. Por vezes, veem-se búfalos dos arrozais perto de Banguecoque conduzidos pelas ruas fora, ainda com corvos empoleirados no dorso. Aqui e ali, a pele luminosa de um pedinte leproso brilha na sombra como uma mancha escura. Os rapazes correm de um lado para o outro, nus, enquanto as raparigas usam uma concha metálica a tapar o sexo. No mercado matinal, vendem-se flores e frutos exóticos. Nas fachadas dos bancos chineses, reluzem correntes de ouro puro, suspensas como gelosias de bambu.
Mas, quando cai a noite, Banguecoque fica entregue à Lua e ao céu pejado de estrelas. À exceção dos hotéis com sistemas elétricos independentes, só as casas dos ricos, que dispõem de gerador, brilham, festivas, de onde em onde. A maioria das pessoas recorre a lamparinas e velas. Uma vela solitária arde pela noite dentro nos altares budistas, em todas as casas baixinhas ao longo do rio, e só o dourado das imagens budistas reluz ao de leve nas profundezas das estruturas com o chão de bambu. Paus de incenso, castanhos e grossos, ardem diante das estátuas. A luz das velas das casas na margem oposta cintila no rio, interrompida pela silhueta de um ou outro barco.
Em 1939 — o ano passado —, Sião alterou oficialmente o seu nome para Tailândia.
Livros do Brasil, 2023
(Dois Mundos)
trd. Tânia Ganho

O TEMPLO DA AURORA
(O Mar da Fertilidade #3)
(1970)
(lido em 2011)