Contemporânea: Os Nomes


OS NOMES
DON DELILLO
(1982)

Conservei-me afastado da Acrópole durante muito tempo. Intimidava-me, aquele penhasco sombrio. Preferia vaguear pela cidade moderna, imperfeita, ruidosa. A gravidade e o significado daquelas pedras trabalhadas prometiam fazer da sua visita uma questão complicada. Converge ali muita coisa. É o que salvámos da loucura. Beleza, dignidade, ordem, equilíbrio. Uma tal visita implica certas obrigações. 
Depois havia a questão do seu renome. Via-me a subir as ruas irregulares do Plaka, a passar pelas discotecas, pelas lojas de bolsas de mão, pelas filas de cadeiras de bambu. Lentamente, de todas as vielas tortuosas, em ondas de cor e som, surgiam turistas com sapatilhas listradas, abanando-se com postais ilustrados, os filelenos, arrastando-se encosta acima, terrivelmente infelizes, confundindo-se numa fila contínua até ao pórtico monumental. 
Que ambiguidade existe nas coisas elevadas! Desprezamo-las um pouco.
 Continuava a adiar uma visita. As ruínas erguiam-se acima do tráfego sibilante como um monumento às esperanças emudecidas. Se dobrava uma esquina, acertando o passo com as pessoas que andavam às compras por entre encontrões, lá estava ele, com o mármore escurecido apoiado na sua massa de calcário e xisto. Se me desviava de um autocarro apinhado, lá estava ele, ao fundo do meu campo de visão. Certa noite (e entramos agora na narrativa) regressando eu de carro a Atenas com uns amigos após um animado jantar no Pireu, andávamos perdidos numa zona incaracterística qualquer quando voltei bruscamente para uma rua de sentido único, em sentido proibido, e lá estava ele outra vez, mesmo em frente, o Parténon, iluminado por projectores para um acontecimento, uma festa qualquer ou apenas o som e luz de Verão, flutuando na escuridão, uma fogueira branca de tal claridade e precisão que a surpresa me fez travar depressa demais, atirando as pessoas contra o painel de instrumentos e costas dos assentos. 
Ficámos ali por um instante a contemplar esta visão. Era uma rua em declínio, com lojas fechadas e demolições, mas os edifícios ao fundo emolduravam perfeitamente o templo. Alguém disse qualquer coisa no banco traseiro, depois veio um carro na nossa direcção, com a buzina a tocar. O condutor pôs um braço fora da janela para gesticular. Em seguida apareceu-lhe a cabeça e pôs-se a berrar. A estrutura pairava sobre nós como um farol. Olhei-a fixamente por mais um instante e saí da rua em marcha-atrás. 
Perguntei a Ann Maitland, que ia sentada a meu lado, o que é que o homem me havia chamado. 
— Punheteiro. É típico. Um grego nunca diz nada que não tenha já dito um milhar de vezes. 
Charles, o marido dela, censurou-me por não conhecer a palavra. Charles considerava um sinal de respeito pelas outras culturas conhecerem-se as expressões locais de insulto e as palavras que designavam actos sexuais e dejectos naturais.
 Estávamos os três no banco da frente. Atrás seguiam David Keller, a sua jovem e nova mulher Lindsay e um homem chamado Stock, um suíço ou austríaco estabelecido em Beirute e que se encontrava aqui para tratar de negócios com David. 
Havia sempre ao jantar alguém que se encontrava na cidade para tratar de negócios com alguém do grupo. Estes convidados vinham do norte, tinham tendência para ser homens fortes e grosseiros. 
Rostos ansiosos, sotaques carregados. Bebiam demais e partiam de manhã. 
Com o auxílio de Ann consegui descobrir onde nos encontrávamos e dirigi-me para o Caravel, onde Stock estava hospedado.

Relógio d'Água, 1996
(Ficções)
trd. Maria Manuela Ribeiro
(lido em 1997; 2009)