Contemporânea: Ponto Ómega


PONTO ÓMEGA
DON DELILLO
(2010)

Havia um homem de pé, encostado à parede norte, quase invisível. As pessoas entravam aos pares ou em grupos de três e paravam no escuro e olhavam para o ecrã e depois saíam. Por vezes mal transpunham a soleira da porta, grupos mais numerosos que vagueavam sem rumo até ali, turistas atordoados, e olhavam e apoiavam-se ora num pé, ora no outro, e depois iam-se embora. 
Não havia cadeiras nem bancos na galeria de exposições. O ecrã, montado num suporte próprio, não muito elevado, media uns três metros por quatro metros e vinte e encontrava-se colocado no meio da sala. Era translúcido, e algumas pessoas, poucas, ficavam ali o tempo suficiente para deambular até ao lado oposto. Permaneciam mais alguns momentos e depois iam-se embora. 
Fazia frio na sala, apenas iluminada pela ténue cintilação cinzenta do ecrã. Lá ao fundo, junto à parede norte, a escuridão era quase completa, e o homem ali parado, sozinho, moveu uma mão ao encontro do próprio rosto, repetindo, com todo o vagar, o gesto de uma figura no ecrã. Cada vez que a porta da galeria deslizava nas calhas para se abrir, uma luz fulgurante derramava-se da zona contígua, onde outras pessoas se aglomeravam, a certa distância, folheando os livros de arte e os postais ilustrados. 
O filme ia sendo projectado sem diálogos nem música, sem qualquer banda sonora. O guarda do museu encontrava-se parado do lado de dentro da porta, mesmo junto ao limiar, e as pessoas que saíam olhavam às vezes para ele, procurando o contacto visual, um qualquer género de compreensão que pudessem assimilar, tornando válido o espanto que as invadia. Havia outras salas de exposições, pisos inteiros, não valia a pena perder tempo numa sala recôndita onde o que estava a acontecer, fosse lá o que fosse, demorava uma eternidade. 

Sextante, 2011
(Ficção)
trd. Paulo Faria
(lido em 2011)