Da Literatura: Seis Propostas para o Próximo Milénio

SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÉNIO
ITALO CALVINO
(1988)
Leveza
Vou dedicar a primeira conferência à oposição leveza-peso, e defender as razões da leveza. Isto não quer dizer que considere menos válidas as razões do peso, mas simplesmente sobre a leveza penso que terei mais coisas a dizer.
Ao cabo de quarenta anos em que escrevo fiction, depois de ter explorado vários caminhos e realizado experiências diversas, chegou a altura de procurar uma definição de conjunto para o meu trabalho; poderei propor esta: a minha operação foi na maioria das vezes uma subtracção de peso; tentei tirar peso ora às figuras humanas, ora aos corpos celestes, ora às cidades; sobretudo tentei tirar peso à estrutura do conto e à linguagem.
Nesta conferência tentarei explicar — a mim mesmo e aos presentes — por que razão fui levado a considerar a leveza um valor e não um defeito; quais são os exemplos entre as obras do passado em que reconheço o meu ideal de leveza; e como situo este valor no presente e como o projecto no futuro.
Começarei por este último ponto. Quando iniciei a minha actividade, o dever de representar o nosso tempo era o imperativo categórico de todos os jovens escritores. Cheio de boa vontade, tentei concentrar-me na impiedosa energia que move a história do nosso século, nos seus acontecimentos colectivos e individuais. Procurei captar uma sintonia entre o movimentado espectáculo do mundo, ora dramático ora grotesco, e o ritmo interior picaresco e aventuroso que me impelia a escrever. Em breve me apercebi de que entre os factos da vida que deveriam ser a minha matéria-prima e a agilidade impetuosa e cortante que eu pretendia que animasse a minha escrita havia uma diferença que me custava a superar cada vez com mais esforço. Talvez só então eu estivesse a descobrir o peso, a inércia, a opacidade do mundo: qualidades que se agarram logo à escrita, se não descobrirmos a maneira de lhes fugir.
Teorema, 1994
trd. José Colaço Barreiros
(lido em 2001; 2016)