Equívocos e Fatalidades: A Valsa do Adeus


A VALSA DO ADEUS
MILAN KUNDERA
(1972)

O Outono começa e as árvores ficam coloridas de amarelo, de vermelho, de castanho; a pequena estância termal, no fundo do seu bonito valezinho, parece cercada por um incêndio. Por baixo das arcadas, há mulheres que vão e vêm e se inclinam para as fontes. São mulheres que não podem ter filhos e esperam que as águas termais as tornem fecundas. 
Os homens são bastante menos numerosos aqui, entre os curistas, embora alguns se vejam, uma vez que, segundo parece, as águas, para além das suas virtudes ginecológicas, fazem igualmente bem ao coração. Apesar de tudo, para um curista do sexo masculino, contam-se nove do sexo feminino, e isso enfurece a jovem celibatária que trabalha aqui como enfermeira e se ocupa da piscina das senhoras que vieram tratar-se por esterilidade! 
Foi aqui que nasceu Ruzena, e aqui vive com o pai e a mãe. Chegará ela alguma vez a escapar a este sítio, a este atroz pulular de mulheres? 
É segunda-feira e o dia de trabalho aproxima-se do fim. Falta apenas despachar algumas mulherzinhas gordas, embrulhando-as num lençol, fazendo-as deitarem-se numa cama de repouso, enxugando-lhes a cara e sorrindo para elas. 
— Então, vais telefonar? — perguntam a Ruzena as colegas; uma delas é uma quarentona de formas fartas, a outra uma mulher mais nova e mais delgada. 
E porque não? — diz Ruzena.

Dom Quixote, 1989
(Ficção Universal)
trd. Miguel Serras Pereira
(lido em 1998; 2005)