Gloriosos Pândegos: Trincapregos


TRINCAPREGOS
ALBERT COEHN
(1938)

O romper da manhã de Abril lançava os seus hálitos floridos sobre a ilha grega de Cefalónia. Na estreita travessa do Ouro, cheirosa a madressilva e a brisa marinha, dançavam nas cordas esticadas entre casa e casa peças de roupa interior amarela, branca, verde, vermelha. 
Na pequena varanda lavrada de uma casinha amarela e rubra, Salomão Sola!, engraxador de sapatos todo o ano, vendedor de água de alperce no Verão e de fritos quentes no Inverno, aprendia a nadar. Este israelita rechonchudo e minúsculo — media um metro e quarenta e cinco — já estava farto de ser objecto das troças dos amigos por causa da sua absoluta ignorância da natação. Depois de ter planeado comprar um escafandro, pensara que seria mais racional e mais económico fazer natação ao domicílio e em seco. 
De pé diante de uma mesa, o homenzinho de nariz arrebitado e redonda face imberbe, constelada de sardas, estava pois mergulhando as mãozinhas gorduchas numa bacia, cuja água salgara previamente, obrigando-as a fazer hábeis movimentos de braçada. Estava um mimo, com o seu ventre roliço, o casaquinho amarelo, os calções vermelhos tufados, as barrigas das pernas à mostra e os seus quarenta anos ingénuos. 
— Um, dois! Um, dois!, exclamava ele energicamente marcando o ritmo, enquanto a velha eczematosa da casa em frente, depois de muitas espreitadelas trágicas para a direita e para a esquerda, atirava para a rua o conteúdo de um alto bacio e, seguidamente, imprecações contra o pequeno leviano que, em vez de ganhar a vida, fazia ginástica como os marinheiros ingleses. 
De vez em quando, Salomão descansava, recuperava o fôlego e abria os braços, de costas contra a parede, aquilo a que ele chamava boiar de costas. Indiferente aos sarcasmos da velha, aproveitava estas interrupções para admirar a sua querida rua calçada de pedras redondas, o mar liso onde se lançavam fontes transparentes, a Encosta dos Jasmins que subia para o grande bosque prateado de oliveiras, os ciprestes que montavam guarda em redor da cidadela dos antigos «podestàs» venezianos e, na colina, a Cúpula dos Solal Antigos, principesca mansão sobre o mar que vigiava o grande gueto de altas casas herpéticas, separadas por correntes da alfândega e do porto, por onde se passeavam gregos remendados, lentos albaneses e padres luzidios de imundície. O céu de fina porcelana turquesa pareceu-lhe tão belo, e sorriam tão finas claridades, que mordeu a boca pequenina para não chorar.

Contexto, 1999
trd. Pedro Tamen
(lido em 2008)