Histórias da Loucura Normal: O Castelo


O CASTELO
FRANZ KAFKA
(1922)

«Era noite cerrada quando K. chegou. A aldeia estava imersa na neve. Do monte do Castelo, não se vislumbrava nada, envolviam-no o nevoeiro e a escuridão, nem o mais ténue clarão anunciava o grande Castelo. K. deteve-se durante muito tempo na ponte de madeira que vai da estrada nacional até à aldeia e olhou para cima em direção ao aparente vazio. 
Depois, foi à procura de um lugar para dormir; na estalagem, as pessoas estavam ainda acordadas, é verdade que o estalajadeiro não tinha nenhum quarto para alugar, mas, extremamente surpreendido e confundido com o hóspede tardio, quis deixar K. dormir na sala de restaurante num colchão de palha, K. concordou. Alguns camponeses entretinham-se ainda a beber cerveja, mas ele não queria conversar com ninguém, foi, ele próprio, buscar o colchão de palha ao sótão e deitou-se junto ao fogão. Estava quente, os camponeses estavam silenciosos, observou-os ainda com os olhos cansados, depois adormeceu. 
Mas passado algum tempo, foi logo acordado. Um jovem, vestido de maneira citadina, com cara de ator, olhos estreitos, sobrancelhas espessas, estava de pé, com o estalajadeiro ao seu lado. Os camponeses também ainda lá estavam, alguns tinham virado as cadeiras para poderem ver e ouvir melhor. O jovem pediu desculpas muito delicadamente por ter acordado K., apresentou-se como filho do castelão"e, depois, disse: «Esta aldeia é propriedade do Castelo, quem aqui vive ou pernoita, vive e pernoita de certo modo no Castelo. Ninguém o pode fazer sem a autorização condal. O senhor, porém, não tem essa autorização ou pelo menos não a apresentou.» 
K. soerguera-se, ajeitara o cabelo, olhou para cima, em direção às pessoas, e disse: «Em que aldeia me perdi? Então, há aqui algum castelo?»»

Livros do Brasil, 2021
(Dois Mundos)
trd. prf. Álvaro Gonçalves


O CASTELO
(trd. Vinga Martins)
(lido em 2002)