Mãe Rússia: A Morte de Ivan Ilitch

A MORTE DE IVAN ILITCH
LEV TOLSTÓI
(1886)
Durante um intervalo do julgamento do caso Melvinski, os juízes e o procurador reuniram-se no gabinete de Ivan Egórovitch Chébek no grande edifício do tribunal, e a conversa recaiu sobre o célebre caso Krassovski. Fiódor Vassílievitch procurava acaloradamente demonstrar a improcedência, Ivan Egórovítch mantinha a sua posição enquanto Piotr Ivánovitch, que não interviera na discussão, não participava e ia folheando o Notícias acabado de chegar.
— Senhores! — disse ele. — Ivan Ilitch morreu.
— É verdade?
— Aqui está, leia — disse dirigindo-se a Fiódor Vassílievitch e entregando-lhe o exemplar do jornal, ainda a cheirar a tinta.
Dentro de uma tarja negra estava escrito: «Praskóvia Fiódorovna Golovina cumpre o doloroso dever de comunicar aos familiares e conhecidos o falecimento do seu amado esposo Ivan Ilitch Golovin, desembargador, ocorrido a 4 de Fevereiro de 1882. O funeral realiza-se na sexta-feira, à uma hora da tarde.»
Ivan Ilitch era colega dos senhores ali reunidos e todos gostavam dele. Doente há várias semanas, dizia-se que a sua doença era incurável. O seu lugar continuava resetvado, mas havia a ideia de que no caso da sua morte Alekséiev poderia ser nomeado para o seu lugar e Vínnikov ou Stábel para o lugar de Alekséiev. Por isso, ao ouvir falar da morte de Ivan Ilitch, o primeiro pensamento de cada um daqueles senhores reunidos no gabinete foi sobre a importância que essa morte poderia ter para a mudança ou promoção deles próprios ou dos seus conhecidos.
«Agora vou provavelmente ficar com o lugar de Stábel ou de Vínnikov — pensou Fiódor Vassílievitch. — Já me foi prometido há muito tempo, e a promoção representa para mim um aumento de oitocentos rublos, além do subsídio.»
«Agora tenho de pedir a transferência do meu cunhado de Kaluga», pensou Piotr Ivánovitch. «A minha mulher vai ficar muito contente. Já não poderá dizer que nunca faço nada pelos parentes dela.»
— Sempre pensei que ele não voltaria a levantar-se — disse Piotr Ivánovitch em voz alta. — É pena.
— Mas afinal qual era a doença dele?
— Os médicos não conseguiram determinar. Quer dizer, determinavam, mas de modos diferentes. Da última vez que o vi pareceu-me que se havia de curar.
— Pois eu não voltei a casa dele desde as festas. Tencionava ir, mas não fui.
— E então, ele tinha bens?
— Parece que a mulher tinha alguns. Mas coisa insignificante.
— Sim, vai ser preciso ir lá. Eles viviam horrivelmente longe.
— Quer dizer longe de sí. De si tudo fica longe.
— Não me perdoa o facto de viver do outro lado do rio — disse Piotr Ivánovitch, sorrindo para Chébek. Começaram a falar das distâncias entre diferentes partes da cidade, e voltaram para a sessão.
Para além das considerações suscitadas em cada um deles por aquela morte, acerca das transferências e possíveis mudanças no serviço que dela pudessem resultar, a própria morte de um conhecido próximo provocava, como sempre, um sentimento de alegria: quem morreu foi ele, e não eu.
Cada um deles pensou ou sentiu; «Ora vejam, ele morreu; mas eu estou vivo.» Os mais chegados, os chamados amigos de Ivan Ilitch, sem querer pensaram também que deviam agora cumprir as muito tristes obrigações de decência de ir à cerimónia fúnebre e fazer uma visita de condolências à viuva.
Leya, 2021
(BIIS)
trd. António Pescada
(lido em 2025)