O Eterno Feminino: Destruir - Diz Ela

DESTRUIR - DIZ ELA
MARGUERITE DURAS
(1969)
Tempo coberto.
As janelas estão fechadas.
Do lado da sala de jantar onde ele se encontra, não se vê o parque.
Ela, sim, ela olha, ela vê. A sua mesa toca no parapeito da janela.
Por causa da luz que incomoda, ela franze os olhos. O seu olhar vai e vem. Outros hóspedes também vêem essas partidas de ténis que ele não vê.
Ele não pediu para mudar de mesa.
Ela ignora que a observam.
De madrugada cerca das cinco horas choveu.
Hoje é com tempo húmido e pesado que as bolas batem. O seu vestido é de Verão.
Defronte dela está o livro. Que ela começou quando ele chegou? ou talvez antes?
Junto do livro, dois frascos de comprimidos brancos. Toma-os a todas as refeições. De vez em quando abre o livro. Fecha-o quase de seguida. Olha para o campo de ténis.
Noutras mesas, outros frascos, outros livros.
Os cabelos são negros, cinzento-escuros, lisos, não são belos, são secos. Não se sabe a cor dos olhos, que, assim que se vira, continuam cegos pela luz, demasiado directa, das janelas. A volta dos olhos, quando sorri, a pele está já delicadamente laminada. Ela é muito pálida.
Nenhum hóspede do hotel joga ténis. É gente nova das redondezas. Ninguém se queixa.
— É agradável esta juventude. Aliás são discretos.
Ninguém a não ser ele reparou nisso.
— Habituamo-nos a este ruído.
Há seis dias quando ele chegou ela já lá estava, o livro à sua frente e os comprimidos, enfiada na sua longa túnica e de calças pretas. Estava fresco.
Ele notara a elegância, a forma, depois o movimento, depois o sono todos os dias no parque, depois as mãos.
Alguém telefona...
Da primeira vez ela encontrava-se no parque. Ele não ouviu o nome. Da segunda, quase não o ouviu.
Alguém telefona portanto depois da sesta.
Uma mensagem sem dúvida.
Sol. Sétimo dia.
Ei-la ainda, junto do ténis, numa cadeira branca de descanso. Há outras cadeiras dessas, quase todas vazias, sem ninguém, naufragadas face a face, em círculo, sozinhas.
É depois da sesta que ele a perde de vista.
Da varanda observa-a. Assim aparentemente morta, é grande, ligeiramente dobrada na charneira dos rins. É delicada, magra.
A essa hora o campo de ténis está deserto. Não é permitido jogar durante a sesta. Recomeça às quatro horas, até ao crepúsculo.
Livros do Brasil, 1988
(Colecção Dois Mundos)
trd. Iva Delgado
(lido em 1994)