O Eterno Feminino: O Amante

O AMANTE
MARGUERITE DURAS
(1984)
Um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entrada de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me: «Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem, gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado.»
Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.
Muito cedo na minha vida foi tarde de mais. Aos dezoito anos era já tarde de mais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a
relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais triste, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. As pessoas que me tinham conhecido aos dezassete anos aquando da minha viagem a França ficaram impressionadas quando me voltaram a ver, dois anos depois, aos dezanove anos. Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto. Envelheceu ainda, evidentemente, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruída. Tenho um rosto destruído.
Tenho ainda a dizer-vos que tenho quinze anos e meio.
É a passagem de uma barcaça no Mékong.
A imagem dura toda a travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio e não há estações neste país, estamos numa estação única, quente, monótona, estamos na longa zona quente da terra, não há Primavera, não há renovação.
Difel, 1990
trd. Luísa Costa Gomes
e Maria da Piedade Ferreira
(lido em 1998)