O Eterno Feminino: O Jardim


O JARDIM
MARGUERITE DURAS
(1955)

A criança chegou tranquilamente do fundo do jardim e pôs-se à frente da rapariga.
— Tenho fome — disse a criança. 
Foi assim que o homem teve oportunidade de meter conversa. 
— Realmente são horas do lanche disse o homem. 
A rapariga não se irritou. Em vez disso sorriu-lhe com simpatia. 
— Eu acho que de facto devem ser quase quatro e meia, e ele lancha a essa hora.
 De um cesto que estava ao lado dela no banco tirou duas fatias de pão cobertas de compota e deu-as à criança. Depois atou-lhe adequadamente um guardanapo à volta do pescoço. O homem disse: «Ele porta-se bem.» 
A rapariga abanou a cabeça em sinal de denegação. 
— Não é meu disse ela. 
A criança, com o seu fornecimento de fatias de pão, afastou-se. Como era quinta-feira, havia muitas crianças naquele jardim, havia das mais crescidas que jogavam ao berlinde e ao agarra e das mais pequenas que brincavam com a areia. Também havia das que eram ainda mais pequenas e que esperavam pacientemente, dentro dos carrinhos, pelo momento de se juntarem às outras. 
— Repare — continuou a rapariga — a criança podia ser minha, e muitas vezes pensam que é. Mas eu digo que não, e que não tem nada que ver comigo. 
— Percebo, disse o homem a sorrir. Eu também não tenho nenhuma. 
— Às vezes pode parecer curioso, haver tantas crianças e por toda a parte, e não termos nenhuma que seja nossa, não acha? 
— Claro que sim, menina, mas também já há tantas, não há? 
— Mesmo assim. 
— Mas quando gostamos delas, quando gostamos muito delas, isso tem menos importância, não é? 
— Também se podia dizer exactamente o contrário, não? 
— Claro que sim, menina, depende do feitio de cada um. E parece-me que há pessoas que se podem contentar com as crianças que há. Eu acho que sou dessas, já vi muitas, e também podia ter, mas olhe, estas chegam-me. 
— Realmente o senhor viu assim tantas? 
— Sim, menina. Tenho viajado. 
— Estou a ver disse a rapariga, muito amável. 
— Ando sempre em viagens, menos agora que estou a descansar.
— De facto, os jardins são o sítio indicado para se descansar, principalmente nesta época do ano. Eu por mim também gosto muito de jardins. É estar lá fora.
— É uma coisa que não custa dinheiro e é sempre alegre por causa das crianças. Quando não se conhece muita gente também dão de vez em quando para se ficar um bocadinho a conversar.

Livros do Brasil, 1993
(Dois Mundos)
trd. Tereza Coelho
(lido em 1996)