Os Inventores: Cosmos


COSMOS
WITOLD GOMBROWICZ
(1965)

Vou contar-lhes uma outra aventura ainda mais espantosa... 
Suor. Fuchs. Eu atrás dele, as peúgas, o tacão dos sapatos, a areia, caminhamos, caminhamos pesadamente, terra, trilhos de rodas, porcaria de caminho, reflexos de calhaus a brilhar, luz violenta, um zumbido, a tremura do ar quente, tudo negro com o sol, e casinhas, vedações, campos, bosques, esta estrada, este caminhar, porquê e como, levaria tempo a explicar, na realidade estava farto do meu pai e da minha mãe, e de toda a família, aliás, queria passar ao menos num exame, e gozar da mudança, evadir-me, viver algures, longe. Chegado à aldeia de Zakopane, meto pela rua Krupowki, pergunto-me a mim próprio onde irei desencantar uma pensãozita barata e nisto dou de caras com Fuchs, aquela sua cabeça ruça muito loura, aqueles seus olhos esbugalhados, o olhar de profunda apatia, mas está contente e eu também, como estás tu?, que é que fazes?, ando à procura dum quarto, eu também, tenho aqui uma direcção (diz-me ele), há-de ser mais barato porque é longe, quase no fim da aldeia. Portanto lá vamos nós, com as peúgas, os tacões enterrados na areia, a estrada, o calor, observo, terra e areia, as pedras brilham, um-dois, um-dois, as peúgas, os tacões, o suor, os olhos a piscarem, dormi mal no comboio, e ainda ter que andar por estes caminhos, abatido e derreado...

Ulisseia
(Série Literária)
trd. Luiza Neto Jorge
(lido em 2022)