Os Inventores: A Erva Vermelha

A ERVA VERMELHA
BORIS VIAN
(1950)
O vento tépido e dormente empurrava uma braçada de folhas contra a janela. Fascinado, Wolf espreitava a breve réstia de dia intermitentemente desvelada pelo recuo da ramagem. Sem motivo aparente, sobressaltou-se, apoiou as mãos na beira da secretária e levantou-se. Ao passar, fez ranger as tábuas rangíveis do soalho e ao sair fechou a porta silenciosamente para compensar. Desceu a escada, saiu para o ar livre e os seus pés tomaram contacto com a álea de tijoleira orlada de urtigas bífidas que conduzia ao Quadrado, através da erva vermelha dos campos.
A cem passos, a máquina farejava o céu na sua estrutura de aço cinzento, decompondo-o em triângulos desumanos. O macacão de Saphir Lazuli agitava-se como um enorme gafanhoto agachado junto do motor. Saphir estava dentro do macacão. Wolf saudou-o de longe e o gafanhoto soergueu-se e esbracejou.
Encontrou-se com Wolf a dez metros do engenho e percorreram--no juntos.
— Vem verificá-lo? perguntou ele.
— Parece-me que já é tempo — disse Wolf.
Contemplou o aparelho. A cabina estava subida e entre os seus quatro pés denteados escancarava-se um poço profundo. Este continha, devidamente arrumados, os módulos destruidores que em breve se encaixariam automaticamente uns nos outros, à medida que fossem sendo solicitados.
— Vamos lá a ver se não há nenhuma bronca — disse Wolf. Afinal de contas, a coisa pode não se aguentar. Foi calculada mesmo à justa.
— Se houver alguma bronca com uma máquina como esta — grunhiu Saphir — hei-se aprender o brenouillou e nunca mais falarei outra coisa até ao fim dos meus dias.
— Eu também aprendo — disse Wolf. — Sempre terás de o falar com alguém, não é?
— Deixemo-nos de histórias — disse Lazuli excitado. O brenouillou fica para o dia de são nunca. Põe-se a trabalhar? Vamos buscar a sua mulher e a minha Folavril? Elas têm de ver isto.
— Elas têm de ver isto — repetiu Wolf sem convicção.
Montou na pequena lambreta que partiu aos roncos e solavancos pelo caminho de tijoleira. Wolf ficou sozinho no meio do Quadrado. Os altos muros de pedra rosa elevavam-se, nítidos e exactos, a algumas centenas de metros.
Wolf, de pé em frente da máquina, no meio da erva vermelha, esperava. Há muitos dias que os curiosos tinham deixado de aparecer; guardavam-se para o dia da inauguração oficial e preferiam, naquele compasso, ir até ao Eldorami ver os pugilistas loucos e o apresentador de ratos envenenados.
Vega, 1998
(Escola de Letras)
trd. José Carlos Rodrigues
(lido em 2002; 2016)