Poesia Traduzida: Cartas de Aniversário


CARTAS DE ANIVERSÁRIO
TED HUGHES
(1998)

Chaucer 
«Quando Abril com suaves aguaceiros 
sacia a sede de Março até às raízes...» 
Com a tua voz no seu tom mais elevado, balançando no cimo de um escadote,
 braços erguidos — para te equilibrares e 
segurares as rédeas da esforçada atenção 
daquela tua audiência imaginária — declamaste Chaucer 
para um campo com vacas. E o céu da Primavera fez o resto, 
com a roupa lavada a esvoaçar, o verde-esmeralda 
dos espinheiros, o espinheiro branco, o espinheiro negro, 
tu com um daqueles copos de champanhe 
a que tinhas deitado a mão na arrebatação do momento. 
A tua voz voou pelos campos até Grantchester. 
Deve ter soado a perdida. Mas as vacas 
olharam, e aproximaram-se logo: elas apreciavam Chaucer. 
E tu continuaste. Havia razões 
para recitar Chaucer. Seguiu-se uma divertida Mulher de Bath, 
a tua personagem favorita de toda a literatura. 
Estavas arrebatada. E as vacas fascinadas. 
Empurravam-se e roçavam-se, faziam um círculo 
para contemplar o teu rosto, dando alguns bramidos ocasionais 
de exclamação, para avivar a sua assombrosa capacidade de atenção, 
de ouvidos à escuta para apanhar todas as inflexões, 
à respeitosa distância de dois metros. 
Tu simplesmente não conseguias acreditar. 
E também não conseguias parar. Que podia acontecer 
se resolvesses parar? Seriam capazes de te atacar, 
assustadas com o choque do silêncio, ou só porque queriam mais? —
E por isso tiveste de continuar. E continuaste — 
vinte vacas ficaram contigo, hipnotizadas. 
Como é que conseguiste parar? Não me lembro 
De teres parado. Imagino que se foram embora cambaleando — 
a revirar os olhos, como que atraídas pelo cheiro da erva. 
Imagino que as devo ter enxotado. Mas 
a tua interpretação de Chaucer em sustenido 
já era eterna. Aquilo que se seguiu 
encontrou a minha atenção demasiado ocupada 
e teve de regressar ao esquecimento.

Relógio d'Água, 2000
(Poesia)
trd. Manuel Dias
(lido em 2005; 2017; 2025)