Poesia Traduzida: A Destruição do Nada


A DESTRUIÇÃO DO NADA
E OUTROS POEMAS
THOM GUNN
(1954-82)

A Ferida

A enorme ferida na cabeça começou a sarar 
No início da sétima semana. 
Os seus vales escureceram e as suas aldeias sossegaram: 
De alegria não me movia nem ousava falar, 
Não a curariam os médicos, mas o tempo com sua perícia paciente.

E continuamente o meu espírito regressava a Tróia. 
Após ter navegado pelos mares, de cada vez lutava 
Em ambos os lados, partilhando o júbilo da condição 
De Helena, e crescendo — para ver Tróia arder —
Como Neoptólemo, esse rapaz obstinado.

Deitado, eu descansava como estava prescrito. 
Planeava com os Gregos e fazia sortidas 
Diárias com Heitor. Por fim, a minha cama 
Transformou-se na tenda de Aquiles, à qual o rústico 
Tersitas vinha relatar os inúmeros mortos.

Era eu próprio: sem estar sujeito ao fôlego de outro homem: 
O meu único comandante era o inimigo. 
E enquanto o cinturão pendia, a espada na bainha, 
Tersitas surgia arrastando-se exausto, 
Vociferando a morte do meu amigo Pátroclo. 

Gritei pelas armas, ergui-me e não cambaleei. 
Mas, quando o pensei, a ira da sua nobre dor 
Subiu-me à cabeça e, voltando-me, senti 
Que toda a minha ferida se abria. De novo 
Tive de deixar sarar aqueles vales iluminados pela tempestade.

Relógio d'Água, 1993 
(Poesia)
trd. Maria de Lourdes Guimarães
(lido em 2009; 2023)