Poesia Traduzida: O Fazer da Poesia

O FAZER DA POESIA
TED HUGHES
(ensaio, 1967)
Introdução
Reuni neste livro os programas que fiz a convite de Moira Doolan, do Departamento de Educação da B.B.C., no âmbito da série Ouvir e Escrever. A última parte, As Palavras e a Experiência, foi escrita para uma outra série de programas, intitulada A Religião no Contexto Actual. Nada foi alterado, à excepção de uma ou outra palavra. Para lá dos poemas citados nos programas acrescentaram-se mais alguns, bem como sugestões que espero possam servir de ajuda aos professores para utilização na sala de aula.
A ideia que esteve na base do primeiro destes programas, «Apanhar Animais», deve-se ao facto de que, sendo eu próprio escritor de versos, deveria falar sobre a escrita em geral e sobre a minha em particular de uma forma que espicaçasse os meus ouvintes entre os dez e os catorze anos de idade — a dedicar esforços mais atentos à sua própria escrita. Estava alertado para os perigos que podiam advir de tal situação, tanto para mim como, indirectamente, para os meus ouvintes e por isso, nas conversas seguintes, fui-me tornando deliberadamente mais impessoal. Apesar de tudo, a dimensão autobiográfica desse primeiro programa persiste um pouco ao longo do livro e explica coisas como a ênfase no meu próprio trabalho poético, que sem isso não teria qualquer justificação.
Partilho as ideias gerais da minha geração e muito do que afirmo é já prática corrente de muitos professores de Inglês. Alguns princípios muito simples sobre a escrita imaginativa, aqui indicados, são os que considerei poderem ter, de uma forma ou de outra, maior utilidade. Mantive as conversas na sua forma original, com a intenção de poder guardar o que talvez seja o mais essencial delas o tom e a atmosfera oriundos de uma ideia-base. Não será das mais comuns e pode até revelar-se inapropriada, mas dá certamente frutos se for usada com flexibilidade na prática. A ideia, assumida ao longo de todas as conversas, é a de que, em relação à auto-expressão, há em todas as crianças um talento latente e incomensurável. Como já disse, pode ser que isto não seja verdade e, mesmo que o fosse, não seria possível aos professores enfrentar as crises psicológicas e as longas mortificações que estão na origem da genialidade que, só por isso, se distingue da mente comum. Mas ao mostrar à imaginação de um aluno que as possibilidades de avançar são muito maiores do que os obstáculos, incutindo-lhe confiança e fazendo-lhe ver que a escrita é uma coisa natural, é possível que alguma coisa da nossa genialidade comum — talvez não muito, mas alguma coisa — possa aparecer.
Os exemplos citados e os que foram acrescentados pretendem servir de modelo ao tipo de escrita que as crianças podem praticar sem se tornarem falsas em relação a si próprias. A experiência como membro do júri, nos últimos três anos, dos concursos de literatura infantil organizados pelo jornal Daily Mirror, deu-me a oportunidade para poder confirmar ou modificar as minhas ideias acerca desta questão. Ler Milton ou Keats às crianças é uma coisa. Pedir-lhes, ou permitir-lhes, que usem esses modelos para a sua própria escrita é outra bem diferente. Todas as falsidades na escrita — e todo o caruncho que por causa disso a invade — provêm da noção de que há um ideal estilístico em abstracto, uma espécie de língua especial ao alcance de todos. Os professores de Inglês não deviam centrar-se nisso, é coisa que pertence mais ao domínio dos comportamentos e de certos tiques de grupo. A sua preocupação não deve ser «Como escrever» mas «Como tentar dizer o que se quer dizer» — que não é senão uma parte da procura do auto-conhecimento e em certa medida, de uma forma ou de outra, da descoberta do dom...
Assírio & Alvim, 2002
(testemunhos)
trd. Hélder Moura Pereira
(lido em 2007; 2022)