Uma Certa Aversão: Aprender a Rezar na Era da Técnica


APRENDER A REZAR NA ERA DA TÉCNICA
(O Reino #4)
GONÇALO M. TAVARES
(2007)

Força
Aprendizagem 
O adolescente Lenz conhece a crueldade 
O pai agarrou nele e levou-o ao quarto de uma empregada, a mais nova e a mais bonita da casa. 
— Agora vais fazê-la, aqui, à minha frente. 
A criadita estava assustada, claro, mas o estranho é que parecia que ela estava assustada com ele, e não com o pai: era o facto de Lenz ser um adolescente que assustava a criadita e não a violência com que o pai a disponibilizava ao filho, sem qualquer pudor, sem sequer ter o cuidado de sair. O pai queria ver. 
— Vais fazê-la à minha frente repetia. 
Estas palavras do pai marcaram Lenz durante anos. Vais fazê-la. 
O acto de fornicar a criadita era reduzido ao mais simples: a um fazer. Vais fazê-la, era a expressão, como se a criadita ainda não estivesse feita, como se fosse ainda uma matéria informe, que esperasse o acto dele, Lenz, para ser acabada. Esta mulher ainda não está feita antes de tu a fazeres, pensou o adolescente Lenz, de uma forma clara, e os gestos seguintes foram os gestos de um trabalhador, de um empregado que obedece às indicações de um encarregado mais experiente, neste caso o seu pai: vais fazê-la. 
— Despe as calças — foi a segunda frase do pai. — Despe as calças. 
O adolescente Lenz despiu as calças. E todas as ordens que se seguiram foram dirigidas exclusivamente a si; ou seja: o pai não dirigiu uma única frase à criadita — ela sabia o que havia a fazer e fez o que tinha de fazer, máquina que não tem alternativa. Ao contrário do adolescente Lenz que, apesar de tudo, poderia dizer ao pai: não quero. 
— Despe as calças ordenou o pai. 
Lenz é conduzido, depois, quase empurrado, pelo pai até à criadita, que está deitada e espera. 
— Avança — disse o pai, com rudeza. 
E o adolescente Lenz, determinado, avançou sobre a criadita. 

Caminho, 2011
(lido em 2009)