Ventos do Sul: Balada do Café Triste

BALADA DO CAFÉ TRISTE
(Contos e Novelas)
CARSON MCCULLERS
(1951)
É uma terra lúgubre. Pouco mais tem do que a fábrica de algodão, as casas de dois quartos onde vivem os operários, algumas árvores, a igreja com duas janelas de vitral e uma feia rua central de cem jardas apenas de comprido. Aos sábados, os caseiros das herdades vizinhas vão ali para fazer compras e dar um bocado à língua. Fora disso, é um lugar solitário, melancólico, como tudo que fica longe e separado do mundo. O apeadeiro mais próximo é Society City; as carreiras de caminhetas Greyhound e White utilizam a estrada de Forks Fall, a três milhas de distância. Invernos curtos e ásperos, Verões ieaplandecentes e de um calor atroz.
Quem for por aquela rua central, numa tarde de Agosto, não acha absolutamente nada em que se ocupar. A casa principal, no coração da vila, dentro de um tapume por todos os lados, está de tal maneira inclinada para a direita que parece ir abater-se a cada instante. Trata-se de uma construção muito antiga. O seu aspecto estranho, arruinado, intriga-nos deveras; mas, de repente, compreendemos a razão: outrora uma parte da varanda fora pintada, assim como metade da parede, porém o trabalho não prosseguiu — e, deste modo, aquilo permaneceu dum lado mais escuro e sujo que do outro. O edifício dir-se-ia completamente desabitado. Há, contudo, uma janela do segundo andar que não está entaipada; às vezes ao entardecer, quando a canícula aperta, vê-se a mão de alguém abrir devagar o postigo e uma cabeça espreitar: rosto semelhante a essas faces sinistras e confusas que nos aparecem em sonhos, assexuadas e lívidas, de olhos que se envesgam um para o outro como se trocassem entre si segredos dolorosos. A pessoa demora-se à janela durante uma hora ou mais, depois torna a fechar o postigo e é possível que não se descubra mais ninguém naquelas redondezas. Nessas tardes de Agosto, uma vez terminado o trabalho, não há mais nada que fazer; pode-se ir então a pé até à estrada de Forks Fall e ouvir o que dizem os forçados de grilheta.
Todavia existiu em tempos, naquela vila, um café. A casa hoje condenada não se parecia já com nenhuma das que se erguiam numa área de muitas léguas. Lá dentro havia mesas com toalha e guardanapos de papel, serpentinas coloridas presas aos ventiladores eléctricos, e, nas noites de sábado, grande quantidade de fregueses. A proprietária era Miss Amelia Evans. Mas o êxito e a alegria do local provinham de um corcunda chamado o primo Lydon. Outro indivíduo que representou papel na história do café foi o antigo marido de Miss Amelia, personagem terrível, que regressou à terra após estirada prisão, provocou desastres e seguiu por fim o seu caminho. Há muito que o café está encerrado, no entanto ainda bastante gente o recorda.
Estúdios Cor, 1959
(Latitude)
trd. Cabral do Nascimento
(lido em 2007)

A BALADA DO CAFÉ TRISTE
(l. 1995; 2001)