Viajantes: Deixai a Chuva Cair

DEIXAI A CHUVA CAIR
PAUL BOWLES
(1952)
Já era noite quando o pequeno ferry atracou ao cais. Enquanto Dyar atravessava a rampa, uma súbita rabanada de vento atirou-lhe à cara pingos mornos de chuva. Os poucos passageiros estavam pobremente vestidos; carregavam as coisas em malas de cartão baratas e em sacos de papel. Esperavam resignadamente em pé que a alfândega abrisse. Meia dúzia de rufiões marroquinos já tinham dado pela presença dele através do gradeamento e gritavam-lhe. «Hotel Metropole, senhor»! «Ei, Johnny, venha daí! Quer hotel?» «Ei, Grande Hotel». Era como se ele tivesse o passaporte americano à vista. Não lhes deu atenção. A chuva caiu mais forte um minuto. Quando o homem da alfândega abriu a porta já estava desconfortavelmente molhado.
A sala estava iluminada por três candeeiros a petróleo colocados sobre o balcão, um ao pé de cada inspector. Deixaram Dyar para último e os três revistaram cuidadosamente as suas coisas, sem um gesto amigável ou de humor. Depois de ter emalado as coisas e corrido os fechos, marcaram-nos com giz cor de alfazema e relutantemente deixaram-no passar. Teve de fazer fila no guichet que dizia Polícia. Enquanto esperava, um homem alto e de boné com viseira chamou-lhe a atenção, gritando «táxi». Estava decentemente vestido, e por isso fez-lhe que sim com a cabeça. Quando avançou para pegar na bagagem, viu-se imediatamente envolvido numa luta com os outros. Dyar era a única presa desta tarde. Aborrecido, virou as costas aos que gritando seguiam o taxista. Atravessou a porta. Sentia-se mal.
No táxi, enquanto a chuva batia no pára-brisas e os limpa-pára-brisas faziam um esforço para trás e para a frente, continuou a sentir-se mal. Agora já cá estava. Não podia voltar atrás. Aliás, nem se punha
a questão de voltar para trás. Quando escrevera a aceitar o emprego e comprara a passagem, em Nova Iorque, sabia que a sua decisão era irrevogável. Um homem não muda de opinião neste tipo de coisas quando só lhe restam menos que quinhentos dólares. Mas agora que aqui estava, tentando vislumbrar através dos vidros molhados, sentiu pela primeira vez o desespero e a solidão que pensava ter deixado para trás. Acendeu um cigarro e estendeu o maço ao motorista.
Dom Quixote, 1992
(Ficção Universal)
trd. Carla Vaz
(lido em 2006; 2016)