Viajantes: Muito Longe de Casa


MUITO LONGE DE CASA
PAUL BOWLES
(1991)

Durante o dia o seu quarto vazio tinha quatro paredes, e as paredes encerravam um espaço definido. À noite o quarto prolongava-se indefinidamente na escuridão. 
— Se não há mosquitos, por que é que temos mosquiteiros? 
— As camas são baixas e temos de nos enrolar nos mosquiteiros, para as mãos não caírem e tocarem no chão — disse Tom. — Sabe-se lá o que por aí pode andar a rastejar. 
No dia em que ela chegou, a primeira coisa que ele fez depois de lhe ter mostrado o quarto em que ela iria dormir, foi levá-la a dar uma volta pela casa. Era sombria e limpa. A maioria dos quartos estava vazia. A ela pareceu-lhe que os criados ocupavam a maior parte do edifício. Numa das divisões cinco mulheres estavam sentadas em fila ao longo da parede. Foi-lhes apresentada a todas. Tom explicou que apenas duas delas eram empregadas da casa; as outras eram visitas. Ouvia-se o som de vozes de homens noutra sala, um som que se transformou prontamente em silêncio quando Tom bateu à porta. Apareceu um homem alto, muito negro, com um turbante branco. Ela teve a sensação imediata de que a sua presença o irritava, mas ele curvou-se gravemente.
— Este é Sekou disse-lhe Tom. — É ele que dirige as coisas por aqui. Talvez não adivinhasses, mas ele é extremamente esperto. 
Ela relanceou um olhar nervoso ao irmão; ele pareceu perceber porquê. 
— Não te preocupes acrescentou. Aqui ninguém sabe uma palavra de inglês. 
Ela não foi capaz de continuar a falar sobre aquele homem enquanto o tinha à sua frente. Mas mais tarde, quando se encontravam no terraço, debaixo do toldo improvisado, prosseguiu a conversa. 
— O que te levou a supor que eu pensasse que o teu homem era estúpido? Bem sei que não foi isso que disseste; mas disseste-o por outras palavras. Eu não sou racista, sabes. Tu acha-lo com ar obtuso? 
— Estava só a tentar ajudar-te a ver a diferença entre ele e os outros, mais nada. 
— Oh — disse ela. — Há uma diferença óbvia, claro. Ele é mais alto, mais preto, e tem feições mais finas que os outros. 
— Mas há também urna diferença básica — disse-lhe Tom. — Sabes, ele não é um criado como os outros. Sekou não é o nome dele. É o título. Ele é uma espécie de chefe.

Editorial Presença, 1996
(Aura)
trd. Manuela Madureira
(lido em 2007; 2017; 2019)