Viajantes: O Americano Tranquilo


O AMERICANO TRANQUILO
GRAHAM GREENE
(1955)

Depois do jantar sentei-me no meu quarto, na Rua Catinat, à espera de Pyle: ele dissera: «Chegarei quando muito às dez horas», e quando bateu a meia-noite senti-me incapaz de ficar quieto por mais tempo, desci as escadas e saí. Um grupo de velhas de calças pretas agachava-se no patamar: estávamos em Fevereiro e provavelmente sentiam demasiado calor na cama. Um condutor de trishaw pedalava lentamente em direcção à margem do rio e no local de desembarque dos novos aviões americanos brilhavam lampiões. Em toda a extensão da rua não havia sinal de Pyle. 
Podia acontecer, evidentemente, que por qualquer razão ele tivesse sido detido na legação da América, mas nesse caso teria certamente telefonado para o restaurante — era extremamente meticuloso quando se tratava de pequenas cortesias. Voltei-me para entrar em casa e vi uma rapariga que esperava no vão da porta seguinte. Não conseguia ver-lhe a cara, apenas as calças de seda branca e a comprida túnica florida, mas apesar disto sabia de quem se tratava. Esperara tantas vezes que eu chegasse a casa neste mesmo sítio e a esta mesma hora! ... 
— Phuong (o que significa Fénix, mas hoje em dia nada existe que seja fabuloso e possa renascer das próprias cinzas. Antes que ela tivesse tempo de o dizer eu sabia que esperava Pyle) — disse-lhe. — Ele não está aqui. 
— Je sais. Je e ai vu seul à la fenêtre
— Podes esperar lá em cima — disse-lhe. — Não deve tardar. 
— Posso esperar aqui. 
— Não é conveniente. A polícia pode levar-te. 
Ela seguiu-me pelas escadas acima. Pensei em várias graças irónicas e desagradáveis, mas os seus conhecimentos de francês e inglês não eram suficientes para que ela atingisse a ironia e, o que é mais estranho, não me apetecia magoá-la nem magoar-me a mim mesmo. Quando chegámos ao patamar as velhas viraram as cabeças e logo que passámos as suas vozes elevaram-se e depois baixaram como se estivessem a cantar em coro.

Editores Associados
(Livros Unibolso)
trd. P.J. de Morais
(lido em 1994)


O AMERICANO TRANQUILO
(lido em 2018)