Viajantes: O Fim da Aventura


O FIM DA AVENTURA
GRAHAM GREENE
(1951)

Uma história não tem princípio ou fim: escolhemos arbitrariamente um momento da experiência, de onde olhar para trás, ou olhar para diante. Digo «escolhemos», com o impreciso orgulho de um escritor profissional, de quem — quando a sério o consideram — louvam a capacidade técnica; mas será de facto por minha livre vontade que eu escolho essa negra e chuvosa noite de Fevereiro de 1946 e a visão de Henry Miles atravessando obliquamente o vasto rio de chuva, ou estas imagens me escolheram? É conveniente, e até conforme com as regras da minha arte, começar exactamente por aí, mas acreditasse eu então em um Deus, e também acreditara que uma mão me segurara o braço e alguém me sugerira: «Fala-lhe: ele ainda não te viu.» 
Pois que razão tive eu para lhe ter falado? Se o ódio não é uma palavra demasiado grande para a usarmos em relação a um ser humano, eu odiava Henry — como odiava Sarah, sua mulher. E ele, ao que suponho, logo depois dos acontecimentos dessa noite, também começou a odiar-me: tanto quanto por vezes terá odiado a mulher e o outro, esse outro, em cuja existência, nessa época, éramos felizes bastante para não acreditar. E assim é isto um memorial de ódio muito mais que de amor; e, se eu vier a dizer algo em favor de Henry ou de Sarah, podem crer, já que escrevo contra o que sinto, por ser do meu orgulho profissional o preferir uma quase-verdade mesmo à expressão do meu quase-ódio.

Asa, 2000
(Pequenos Prazeres)
trd. Jorge de Sena
(lido em 2005)